Na edição de 2016 do Novíssimos, Lucena apresentou um conjunto de peças de acrílico que encapsulavam objetos da vida doméstica, afetivos, e a eles dava a companhia de pinturas, no suporte: janelas pelo lado de fora, moradores de Copacabana, jarros com plantas etc. Por essas peças foi premiada com a exposição para a qual estamos a convidar. Há alguma continuidade entre a obra referida e a presente individual, mas o sentimento maior é de mudança. Em uma trajetória já consistente, a artista consegue dar um importante salto de originalidade, aproveitando virtudes e indo além do conforto. A Intimidade é uma Escolha, com curadoria de Cesar Kiraly, aborda a experiência na vida das pessoas, em sugestão, de proximidade não declarada, com a própria vida da artista. Esses personagens não estão mais em um relicário, não há mais asfixia, e sim ampla paisagem de afetos circulando. Nesta, tem-se a galeria completamente coberta por retalhos associados, sob lógica de colagem, mantidos juntos por costura. Estes foram obtidos nos tecidos descartados nas oficinas de estofamento doméstico. Ela aproveita o material desgastado, vivido, por assim dizer. Podemos, quiçá, reencontrar pedaços de nossas próprias vidas, ao mesmo tempo, íntimos e impessoais. Lucena o faz de modo a nos dar a acidentalidade das escolhas cotidianas, e, depois de tais intervalos oníricos, sobre a composição, revela-nos retratos de pessoas, cujo instante de vida optou por mostrar. Se, por um lado, é matéria desgastada, por outro, consegue as fazer despertar em entusiasmante vigor. São pedaços de vida, e todas as vidas são bem parecidas, donde o desgaste, mas colados de modo a evidenciar a singularidade de cada existência, daí o vigor. São casais com filhos, sem filhos, pessoas solitárias, com seus bichos, afundadas em seus sofás, retratadas sob mesma técnica, além de estarem pictoricamente enraizadas no suporte que as envolve. Lucena consegue, de maneira surpreendente, abordar com delicadeza o mais importante tema do nosso tempo.