“Como me tornei insensível”
Talvez um bom começo seja falar sobre o nome da mostra e sobre a ideia de sujeição, que te interessa.
Pedi a palavra emprestada de outro para designar a mostra como título de um retrato – elemento que une os trabalhos desta exposição. A frase “como me tornei insensível” foi primeiro dita por uma pessoa encarcerada em uma prisão norte-americana. Por considerar-me uma pessoa muito sensível, ouvir essa frase me tocou por corresponder a algo estranho, mas familiar, quando em meus trabalhos me “insensibilizo” ao fazer do outro minha própria escultura.
É em geral em torno do desejo pela posse do outro e das imagens que disto derivam (tão conflituosas e sensíveis a todos nós) que a exposição consiste. Neste sentido, ainda para falar em termos de posse, não se trata apenas de um dilema meu, mas sobretudo de compartilhar um traço de sombra do humano. A sujeição corresponde à estranha humanidade de estar à sombra das sombras do outro, e ao mesmo tempo, de estar fisicamente cedido enquanto estatuária invertida a quem age – assim como eu, da posse momentânea de alguém como escultura viva e autorretrato.
Qual o lugar da fotografia no seu trabalho? Atravessamento (2013), como outras obras suas, parece estar em um lugar entre. Aqui, mais especificamente, entre a escultura, a performance, e a fotografia (mesmo sem a presença física, literal, da fotografia).
São muitas camadas de leitura, e isso me alegra considerando a natureza sintética do trabalho. Atravessamento é uma proposição simples e recente, uma imagem no tecido real, ao mesmo tempo em que representa uma diferenciação de experiências semelhantes, como Elvira (2010-11), mais centradas na construção de objetos para tensão e imobilidade físicas.
Agora me interessa experimentar o próprio engessamento da ação diante de mim e de você, no espaço de vida. E desse modo, ao enquadrar, fixando o ato como espécie de imagem dura, é possível questionarmos seu estatuto entre escultura e fotografia, entre performance e instalação. Contudo, o que procuro fazer antes de tratar com linguagens, é dar conta existencial daquela posse que mencionei antes, decalcando então meu autorretrato sobre a imagem de alguém – como talha bruta formada ao longo de um presente contínuo e perversamente sensível.
(Fernanda Lopes e Jorge Soledar)