Sedimentos
O fragmento da nau, os pedaços desfiados como linha de estampa, as farpas de madeira perfurando a espuma. Nunca soube se espumas eram de fato macias até o dia que decidi atravessar o oceano. Após o vento mutilar as velas, prossegui o que restava a nado. Meus braços eram remos, meus pulmões cheios de palavras, flutuavam, apenas um olho por farol. O destroço da velha estante, as folhas do caderno de rascunho e um livro sobre a origem dos fósseis, nada pude salvar, tudo satisfez a sombra negra que engolia o céu de abril. Embora, agora saiba, por íntimo, o sabor do mar.
Quatro considerações
I
Não posso considerar nada a respeito de um mês sem ter vivido seus dias, ou mesmo ditar notas a respeito do sabor de um lábio sem ao menos o ter imaginado passear pela boca.
II
Jamais saberei se este refúgio se trata apenas de mim e não de ti, ou dos nós nos fios de cabelo que acordam unidos em coro à meia-noite.
III
As tramas desejam ser ouvidas, enquanto ainda podemos ouvir um ao outro respirar.
IV
O rumor das janelas vara a noite. Haveremos de saber se são asas anunciando os Elíseos, ou se abrindo aos porões dos infernos?
Jonatas Tosta Barbosa é carioca, professor e escritor. Escreveu uma série de crônicas, artigos e contos para os blogs Papel Papel e Nerdgeek Feelings. Também publicou contos pelas editoras Buriti e Avec. Atualmente redige e publica suas histórias na revista Poligrafia. O texto da postagem faz parte do livro “Anatomia de Julho”, publicado de forma independente (https://anatomiadejulho.blogspot.com/).
Foto: Coleta celeste, de Márcio Diegues (2020)
| “Poesia e Arte em casa” é resultado de uma ação realizada pela
Galeria de Arte Ibeu em sua página no Instagram. Esta série de postagens tem como objetivo aproximar a obra do artista Márcio Diegues à produção poética de diversos autores que se relacionam com a temática do naufrágio e do isolamento. |