A dimensão que envolve o projeto Terra Fabricada de Bianca Bernardo é aquela do confronto com as próprias origens. Mas toda origem é escolha deliberada – por necessidade, eleição afetiva ou desejo –, disposição que visa identificar um lugar, um estar no mundo. Por isso, há nesta exposição algo que extrapola a referência a um local específico, demarcando muito mais uma propensão, um estado de espírito, um querer. Trata-se de um processo com forte apelo ficcional: o filme documental homônimo, que a artista concebe entre Brasil e Portugal, é representação tanto quanto o conjunto de subjetivações que lhe serviu de suporte, uma colagem/montagem de fragmentos diversos, que agrega lembrança familiar, memória induzida e imaginação pessoal.
Ao recordar as histórias das terras distantes de Trás-os-Montes, de onde provieram sua mãe e avó, a artista desenvolveu uma percepção de sua existência que engloba o entendimento daquilo que sua família registrava com certa melancolia. Ocorre já nesse processo uma mediação entre a memória cristalizada do que havia sido a experiência daquele local, no momento em que o mesmo passava a fazer parte de um passado distante, e o modo como se dava a apreensão de um lugar imaginário, paradoxalmente próximo, para quem só o conhecia através dessas histórias. O filme narra uma viagem iniciática, um movimento contrário, não em direção às raízes, mas no sentido de um reatamento: visa reestabelecer uma identidade afetuosa constituída por diferentes camadas de tempo, fragmentadas e sobrepostas, e unidas por um propósito poético. Bianca Bernardo costura esses tempos, revisita o lugar imaginário da sua infância, confrontando-o com esse outro local, real, mas ao mesmo tempo depositário de lembranças daqueles que dali partiram.
A exposição, em sentido amplo, é registro da passagem do tempo, tempo que impregna todas as coisas com uma espessura densa. Na mão que percorre a superfície do papel, no vai-e-vem das ondas do mar, na impregnação das montanhas de sal, na cantiga melancólica da infância, no giro cíclico do desenrolar das histórias contadas e sentidas, todas essas narrativas se repetem, retornam à superfície e reforçam um constante desejo de ressignificar a experiência. Nesse processo, novos sentidos passam a ser somados àqueles que foram cuidadosamente preservados na memória, pois esse lugar, enquanto encontro de cruzamentos, só pode ser aquele que se constrói no próprio sujeito. As terras voltam a ser cultivadas.
Ivair Reinaldim, agosto 2012
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