A CASA EM FESTA
Parece comum à maioria dos seres humanos certa dificuldade com o auto-enfrentamento, bem como em lidar com o silêncio e o vazio. Mas para que essa angústia não gere paralisias, busca-se o tempo inteiro preencher a “falta” – desamparo primordial presente no homem desde o nascimento – através do cultivo de projetos e do acúmulo material e de sabedoria. Por isso, evita-se constantemente ficar sozinho, traça-se metas, ama-se, estuda-se, trabalha-se, casa-se, deseja-se, converte-se, descobre-se a si mesmo, ao mundo e aos outros. Ao fazer uso de certa acidez em seus trabalhos, Flávia Junqueira toca fundo nessa ferida.
E assim, crescer se mostra doloroso, pois nos obriga a usar máscaras, imprescindíveis para viver em sociedade. Esse dado performático levaria a encenações, concessões e opções que muitas vezes são subjetivamente violentas e intimamente violadoras. Nesse sentido, as festas infantis de Flávia Junqueira enfatizam a ambiguidade do trabalho fotográfico. Os vários índices de decoração, presentes, brinquedos, doces, confetes, bonecos, balões e vestidos altamente coloridos são prova disso: em meio à profusão e ao excesso de cheiros, cores e sabores, há uma personagem desolada e, no lugar da leveza, a densidade.
Sendo assim, as seis fotografias em grandes formatos que compõem “A casa em festa” – ao colocarem a própria artista posando com um semblante melancólico em meio a um cenário de celebração – causam certo desconforto. Mas em lugar de melodramas ou de deprimir-se e deixar o espectador deprimido, sua melancolia gera fricções interessantes e inteligentes ambivalências na aceitação e na crítica dessa falta de sentido. De forma que a sedução e o brilho aparentes dessas impressões guardam, na realidade, uma dose de obscuridade.
Ao mesmo tempo, a artista se posiciona criticamente contra a ditadura (opressão) da alegria e do excesso, friccionando-os ironicamente. Pois, assim como o aniversário coroa o envelhecimento e a inauguração do ano solar, ao encerrar o inferno astral, o carnaval, por mais liberador que seja, está repleto de figuras dúbias ou arquetípicas da melancolia, como as do pierrô e as do arlequim. Essas tentativas de suspensão provisória ou de ênfase em uma alegria efêmera que em geral as festas fornecem, nada mais são que artifícios para evitarmos lidar com a solidão. Como disse Riobaldo, narrador e protagonista de Grande Sertão: Veredas: “Homem foi feito para o sozinho? Foi. Mas eu não sabia”. Assim, as encenações de Flávia Junqueira demonstram o quanto ficcionalizamos a existência para acreditarmos nessas mentiras. Porém, quando acaba a festa e encontramos seus vestígios, tudo se mostra amedrontadoramente vazio e silencioso. Mas, como convidados, somos bem-vindos dessa festa ainda imaculada. Por isso, sintamo-nos à vontade para compartilhar desse teatro e seu consequente desencanto.
Fernanda Pequeno, janeiro de 2011
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