A opção de Júnior Suci pelo desenho é consciente, mas a seriedade de sua pesquisa não exclui o viés lúdico. O artista investiga as possibilidades gráficas contemporâneas com rigor, através de linhas tensas e vibrantes – embora não-violentas ou nervosas -, utilizando um traço descontínuo, que propõe o esfacelamento de narrativas, através de cortes em cenas construídas por ele. Sem se restringir a um único suporte, Suci tem levado as questões que lhe interessam também para outros meios, explorando, a partir de 2010, o vídeo (pela eficácia como imagem, e pela necessidade de efetivamente encenar um personagem relacionando-se com diversos objetos, e com o seu próprio corpo). Desse modo, enfatiza o caráter processual do desenho que, como um jogo, pode ser reiniciado, remontado e reencenado ad infinitum. A sua referência, assim, para além da tradição gráfica, parece ser o cinema, pois seus trabalhos oferecem closes e diferentes enquadramentos de singelas “brincadeiras” que ele realiza privadamente, sem que esse tom prosaico lhes tire a sua potência epifânica.
Não é de hoje que o jogo vem sendo explorado por suas possibilidades estéticas: assim como a arte é um excesso necessário – aquilo mesmo que diferencia o homem como ser humano -, o jogo configura-se como uma forma poética de passar o tempo, que caracteriza o indivíduo como homo ludens. Marcel Duchamp foi o primeiro a enunciar o xadrez como a obra-de-arte ideal, mas, antes dele, Charles Baudelaire havia proposto uma “Morale Du Joujou”, falando que o brinquedo representaria as ideias da infância sobre a beleza, a iniciação do indivíduo na arte. Como para o poeta francês o artista seria “homem do mundo, homem das multidões e criança”, naturalmente há um elogio dessa “infantilidade”. Partindo dessa premissa, Júnior Suci, normalmente sozinho, imagina e executa gestos, capturando-os através do desenho e do vídeo, marcando situações reais ou arquitetadas, não necessariamente realizáveis. Esse dado de fingimento – presente também nos jogadores que levam esse prazer-lazer a sério – é utilizado para enfatizar aspectos, poses, força e vitória de objetos sobre o corpo, ou interações desse consigo mesmo, na busca pelo que Júnior denomina “bem-estar”.
Nessa primeira exposição individual que Suci realiza no Rio de Janeiro, então, trazemos relações de seu corpo com objetos, tais como: penas, gelo, bolhas de sabão, copos, pregadores, ventilador, etc. As séries: erótica, “Meus pequenos talentos”, “Precisei ver meu fôlego”, “Ensaiei meu vôo”, “Minhas pequenas dependências”, entre outras – presentes na Galeria de Arte Ibeu -, foram escolhidas pela delicadeza e pelo flerte com as ideias de brincadeira e busca de felicidade. Montados a partir de diálogos formais e temáticos, os trabalhos, embora sejam fragmentos de narrativas, sugerem um trajeto a ser percorrido, tal como em uma partida. Mas a grandiosidade dos pequenos gestos que o artista realiza e “registra” cotidianamente não os confina à diminuta dimensão dos papéis utilizados. Ao contrário, essa vida em miniatura, em plano-detalhe, muitas vezes soa mais reluzente do que a vida real. E se o desenho pode ser encarado como procedimento intelectual, materialização de uma ideia, por outro lado, também lida com aquilo que não está previsto. Sua função inicial de inscrição, dessa forma, dá lugar a usos imaginativos.
É nesse sentido que a caracterização que Walter Benjamin faz do grafismo como sendo horizontal, aquele que é impresso – enquanto a pintura seria vertical, aquela que se levanta -, nos faz pensar no mosaico do chão e no repouso das tumbas, por um lado, mas também nos tabuleiros de jogos e nos rabiscos a giz que nos levam ao céu, após saltos aleatórios em cima de números sobre uma perna só. Se há competição, no jogo os parceiros são fundamentais, considerados colaboradores, mesmo quando adversários. Dessa maneira, os espectadores de “Minhas pequenas vitórias” receberão alguns prêmios, confirmando que o triunfo está no prazer de jogar, muito mais do que propriamente na rivalidade ou no ganhar. Se a verdadeira vitória está em partilhar este ritual, por um instante teremos a proposição de um outro tempo: mais moroso e cheio de desejo, porque não-pragmático. E é exatamente aí que reside a sua capacidade crítica, pois nas aparentemente despretensiosas ações que Júnior Suci pessoalmente marca em pequeninos papéis, parece caber muito da intensidade da vida e da arte.
O que você achou disso?
Clique nas estrelas
Média da classificação 0 / 5. Número de votos: 0
Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.
O IBEU te ajuda a saber e a traçar o melhor caminho para o aprendizado